Joseph Smith e a Maçonaria: Uma Análise Histórica Abrangente

A conexão histórica entre Joseph Smith Jr., fundador da Igreja SUD, e a maçonaria no século XIX revela influências mútuas que moldaram ordenanças e ritualísticas do templo, mostrando como contextos culturais e sociais impactam práticas religiosas.

Joseph Smith e a Maçonaria: Uma Análise Histórica Abrangente

A relação entre Joseph Smith Jr., fundador de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, e a maçonaria representa um dos capítulos mais fascinantes e complexos da história religiosa americana do século XIX. Esta conexão histórica, documentada em registros oficiais e testemunhos de época, oferece insights profundos sobre o desenvolvimento das doutrinas e práticas mórmons, particularmente as ordenanças do templo, e ilustra como as influências culturais e sociais podem interagir com a experiência religiosa.[1][2][3]

Linha do Tempo: Joseph Smith e a Maçonaria (1805-1844)

Linha do Tempo: Joseph Smith e a Maçonaria (1805-1844)

O Contexto Histórico da América do Século XIX

A Era Dourada da Maçonaria Americana

No início do século XIX, a maçonaria desfrutava de um período de extraordinário crescimento e influência nos Estados Unidos. Entre 1790 e 1826, a fraternidade atingiu seu auge de popularidade, atraindo figuras proeminentes como George Washington, Benjamin Franklin, Andrew Jackson e Henry Clay. Esta organização fraternal, que havia evoluído de guildas medievais de pedreiros para uma sociedade filosófica e moral, oferecia aos homens americanos uma estrutura de camaradagem, desenvolvimento pessoal e influência social.[1:1][2:1][4]

A maçonaria desta época baseava-se numa rica tradição simbólica centrada na construção do Templo de Salomão. Os maçons reuniam-se em lojas onde reencenavam ritualmente a história de Hiram Abiff, o arquiteto mítico do templo, avançando por graus - Aprendiz, Companheiro e Mestre Maçom - através de cerimônias que utilizavam gestos simbólicos, apertos de mão especiais, palavras-chave e vestimentas rituais. Estes rituais tinham como objetivo promover virtudes como lealdade, integridade e fraternidade entre os membros.[4:1][5][1:2]

O Caso Morgan e o Movimento Antimaçônico

O panorama maçônico americano foi drasticamente alterado pelo chamado "Caso Morgan" em 1826. William Morgan, um pedreiro e ex-maçom residente em Batavia, Nova York, anunciou sua intenção de publicar um livro revelando os segredos da maçonaria. Em setembro de 1826, Morgan foi preso sob acusações questionáveis e posteriormente sequestrado por homens não identificados, desaparecendo para sempre.[6][7][8]

Historical illustration of the assassination of William Morgan, an event that fueled the anti-Masonic movement in 1826.

Historical illustration of the assassination of William Morgan, an event that fueled the anti-Masonic movement in 1826.

O desaparecimento de Morgan provocou uma reação em cadeia que transformou o cenário político e social americano. A suspeita generalizada de que maçons haviam assassinado Morgan para silenciá-lo gerou uma onda de indignação pública que se espalhou por toda a região oeste de Nova York. Este território, conhecido como o "Distrito Queimado" devido à intensidade dos avivamentos religiosos que ali ocorriam, tornou-se epicentro de um poderoso movimento antimaçônico.[6:1][7:1][8:1]

O movimento antimaçônico resultou na formação do Partido Antimaçônico, o primeiro partido político terceirizado significativo na história americana. Este partido, liderado por figuras como Thurlow Weed, William H. Seward e Millard Fillmore, capitalizou os medos populares sobre sociedades secretas e seu suposto controle sobre instituições governamentais. O impacto foi devastador para a maçonaria: em Nova York, o número de lojas caiu de 480 em 1826 para apenas 75 em 1835.[7:2][8:2][9][6:2]

A Família Smith e as Primeiras Conexões Maçônicas

É precisamente neste contexto turbulento que devemos compreender as primeiras exposições da família Smith à maçonaria. Joseph Smith Sr., pai do profeta, possivelmente foi membro da Loja Ontario nº 23 em Canandaigua, Nova York, embora esta afiliação permaneça disputada devido à existência de outros homens com o mesmo nome na região. O que está bem documentado é a filiação de Hyrum Smith, irmão mais velho de Joseph, à Loja Monte Moriah nº 112 em Palmyra, Nova York, entre 1827-1828.[10][11]

A iniciação de Hyrum na maçonaria é particularmente significativa porque coincidiu temporalmente com os eventos formativos do mormonismo primitivo. Enquanto Hyrum participava dos rituais maçônicos em Palmyra, seu irmão Joseph alegava receber visitas angélicas e preparava-se para traduzir o Livro de Mórmon. Esta proximidade temporal e familiar criou inevitavelmente uma atmosfera onde os símbolos, linguagem e conceitos maçônicos circulavam no ambiente doméstico dos Smith.[12][11:1][10:1]

Outros líderes importantes do movimento mórmon primitivo também possuíam antecedentes maçônicos. Heber C. Kimball havia sido iniciado na Loja Milnor nº 303 no Condado de Ontário, Nova York, em 1825, e reportadamente participado do Capítulo do Arco Real em Canandaigua em 1826, pouco antes do caso Morgan devastar a maçonaria regional. Newel K. Whitney tornou-se maçom na Loja Meridian nº 10 em Painesville, Ohio.[11:2]

Joseph Smith e a Experiência Maçônica em Nauvoo

O Estabelecimento da Loja de Nauvoo

Após o êxodo dos santos dos últimos dias de Missouri em 1839, eles estabeleceram-se em Nauvoo, Illinois, onde construíram uma próspera comunidade às margens do Rio Mississippi. Em dezembro de 1841, dezoito maçons mórmons, liderados por figuras como James Adams e John C. Bennett, organizaram uma loja maçônica em Nauvoo. No dia seguinte, Joseph Smith e Sidney Rigdon solicitaram filiação à fraternidade.[1:3][13][14]

A decisão de Joseph Smith de se tornar maçom em 1842 é particularmente intrigante considerando o contexto histórico. O movimento antimaçônico ainda exercia influência considerável na política americana, e a reputação da maçonaria permanecia manchada pelas suspeitas em torno do caso Morgan. Que Joseph optasse por se juntar à fraternidade neste momento sugere motivações complexas que vão além da mera curiosidade ou pressão social.[12:1][6:3][15][7:3]

A Iniciação de Joseph Smith

Em 15 de março de 1842, Abraham Jonas, Grão-Mestre da Grande Loja de Illinois, viajou a Nauvoo para formalizar a loja e iniciar novos membros. Numa cerimônia realizada no andar superior da loja de tijolos vermelhos de Joseph Smith - o mesmo espaço que serviria como templo provisório - Joseph e Sidney Rigdon foram iniciados como Aprendizes Maçons. No dia seguinte, ambos foram elevados aos graus de Companheiro e Mestre Maçom, um progresso extraordinariamente rápido que normalmente levaria meses ou anos.[1:4][13:1][14:1]

O próprio Joseph Smith documentou estes eventos em seu diário pessoal, escrevendo: "Na tarde de 15 de março de 1842, recebi o primeiro grau de Maçonaria na Loja de Nauvoo, que se reunia em minha oficina". No dia seguinte, ele registrou: "Eu estava com a Loja Maçônica e subi para o grau sublime".[3:1][14:2]

Portrait of Joseph Smith Jr. alongside a historical journal cover from the John Whitmer Historical Association.

Portrait of Joseph Smith Jr. alongside a historical journal cover from the John Whitmer Historical Association.

O Rápido Crescimento da Maçonaria Mórmon

A filiação maçônica de Joseph Smith desencadeou um crescimento extraordinário da fraternidade entre os santos dos últimos dias. Centenas de homens mórmons seguiram o exemplo do profeta, resultando numa expansão sem precedentes da Loja de Nauvoo. Em poucos meses, a loja havia crescido para mais de 1.500 membros, tornando-se maior que todas as outras lojas de Illinois combinadas.[1:5][11:3][16]

Esta expansão massiva violava as normas maçônicas tradicionais, que enfatizavam crescimento gradual e cuidadosa seleção de candidatos. O Grão-Mestre Jonas aparentemente permitiu irregularidades significativas no processo de iniciação, possivelmente motivado por aspirações políticas e o desejo de cortejar o crescente bloco eleitoral mórmon.[17][16:1]

Entre os proeminentes líderes mórmons que se tornaram maçons estavam Brigham Young, John Taylor, Wilford Woodruff, Lorenzo Snow, Heber C. Kimball, Willard Richards, e praticamente toda a hierarquia superior da igreja. Notavelmente, os cinco primeiros presidentes da Igreja SUD eram todos maçons iniciados na Loja de Nauvoo.[15:1][18][19][11:4]

A Introdução da Investidura do Templo

A Correlação Temporal Dramática

Apenas sete semanas após sua elevação ao grau de Mestre Maçom, Joseph Smith introduziu uma nova ordenança religiosa que viria a ser conhecida como a investidura do templo. Em 3 de maio de 1842, ele instruiu Lucius Scovill, um maçom experiente, a preparar o andar superior de sua loja de tijolos vermelhos - o mesmo espaço onde ocorriam as reuniões maçônicas - para uma cerimônia especial. No dia seguinte, 4 de maio de 1842, Joseph administrou a primeira investidura do templo a nove homens cuidadosamente selecionados, todos eles maçons.[1:6][5:1][20]

Esta correlação temporal é impossível de ignorar. A proximidade entre a iniciação maçônica de Joseph e a revelação da investidura sugere uma conexão causal que tem sido objeto de intenso debate acadêmico e religioso. Os próprios participantes reconheceram as semelhanças entre as duas cerimônias, mas interpretaram-nas de maneiras distintas.[5:2][21][20:1]

Historic 1840s photo of Nauvoo, Illinois, featuring the early Mormon settlement and the prominent Nauvoo Temple on the hill.

Historic 1840s photo of Nauvoo, Illinois, featuring the early Mormon settlement and the prominent Nauvoo Temple on the hill.

As Semelhanças Rituais Documentadas

Comparação: Elementos da Maçonaria vs. Práticas do Templo Mórmon

Comparação: Elementos da Maçonaria vs. Práticas do Templo Mórmon

As semelhanças entre os rituais maçônicos e a investidura do templo são extensas e bem documentadas por testemunhas contemporâneas. Ambas as cerimônias envolvem:

Elementos Formais Compartilhados:

  • Progressão por graus ou estágios de conhecimento
  • Uso de apertos de mão especiais e gestos simbólicos
  • Palavras-chave e sinais de reconhecimento
  • Vestimentas cerimoniais específicas
  • Promessas de sigilo sobre elementos sagrados
  • Dramatizações baseadas em narrativas bíblicas
  • Simbolismo arquitectónico relacionado ao Templo de Salomão[1:7][5:3][20:2]

Semelhanças no Conteúdo:

  • Temas de busca por luz e conhecimento
  • Ênfase na construção moral e espiritual
  • Uso de ferramentas de pedreiro como símbolos
  • Referências ao Templo de Salomão e seus construtores
  • Conceitos de irmandade e lealdade mútua[5:4][20:3][1:8]

Heber C. Kimball, que participou tanto dos rituais maçônicos quanto da primeira investidura, escreveu ao companheiro apóstolo Parley P. Pratt em junho de 1842: "Há uma semelhança de sacerdócio na maçonaria. O irmão Joseph diz que a maçonaria foi tirada do sacerdócio". Esta observação é particularmente significativa porque vem de alguém intimamente familiarizado com ambas as tradições.[21:1][15:2]

As Diferenças Fundamentais

Apesar das semelhanças formais notáveis, as diferenças substantivas entre a maçonaria e a investidura do templo são igualmente significativas e revelam propósitos teológicos distintos:

Diferenças no Propósito:

  • Maçonaria: Enfatiza o autoaperfeiçoamento moral, fraternidade entre homens, e contribuições caritativas para a sociedade
  • Investidura: Foca na preparação para retornar à presença de Deus através de convênios sagrados com a divindade[5:5][20:4]

Diferenças na Estrutura Teológica:

  • Maçonaria: Baseada em lendas e tradições históricas, sem reivindicações de revelação divina
  • Investidura: Apresenta um plano divino de criação, queda e redenção através da expiação de Cristo[20:5][5:6]

Diferenças na Participação:

  • Maçonaria: Tradicionalmente limitada a homens, com processos seletivos rigorosos
  • Investidura: Desde o início incluiu mulheres, com Joseph declarando que todos os santos dignos deveriam receber as ordenanças[5:7][20:6]

Diferenças na Autoridade:

  • Maçonaria: Autoridade deriva de tradições humanas e cartas constitutivas
  • Investidura: Reivindicada como restauração de ordenanças divinas através de revelação profética[20:7][5:8]

As Interpretações dos Participantes Contemporâneos

A Perspectiva dos Santos dos Últimos Dias

Os santos dos últimos dias que participaram tanto da maçonaria quanto da investidura do templo desenvolveram uma interpretação teológica específica da relação entre as duas tradições. Eles não viam a investidura como uma cópia ou imitação da maçonaria, mas sim como uma restauração de verdades antigas das quais a maçonaria preservara apenas fragmentos corrompidos.[22][15:3][23]

Willard Richards, secretário de Joseph Smith, ensinou que "a Maçonaria teve sua origem no Sacerdócio" e que a introdução da investidura em Nauvoo foi "governada pelo princípio de revelação". Esta perspectiva sugere que eles viam a maçonaria como um repositório imperfeito de verdades primitivas que foram restauradas em sua plenitude através de Joseph Smith.[20:8][23:1]

Benjamin F. Johnson recordou que Joseph Smith lhe disse que "a Maçonaria, como no presente, era a investidura apóstata, assim como as seitas eram a religião apóstata". Esta analogia é particularmente reveladora, pois coloca a maçonaria na mesma categoria das denominações cristãs que os mórmons acreditavam ter perdido verdades essenciais através da apostasia.[15:4][23:2]

Joseph Fielding escreveu em seu diário em dezembro de 1843 que as ordenanças do templo mórmon eram "a verdadeira origem da Maçonaria", sugerindo que a investidura representava a forma original da qual a maçonaria era uma derivação degenerada.[23:3][22:1]

A Resposta dos Maçons

A reação dos maçons não-mórmons ao rápido crescimento e às práticas não convencionais da Loja de Nauvoo foi inicialmente mista, mas progressivamente hostil. Em agosto de 1842, apenas alguns meses após o estabelecimento da loja, a Loja Bodley nº 1 da Grande Loja de Illinois apresentou acusações formais contra a Loja de Nauvoo, alegando "diversas irregularidades".[17:1][16:2]

As preocupações dos maçons tradicionais eram justificadas pelas práticas não convencionais em Nauvoo:

  • Iniciações em massa que violavam os procedimentos graduais estabelecidos
  • Crescimento que ultrapassava todas as outras lojas do estado combinadas
  • Aparente mistura de elementos religiosos mórmons com rituais maçônicos
  • Suspeitas de que Joseph Smith estava adaptando ou alterando rituais tradicionais[16:3][17:2]

Em outubro de 1843, a Grande Loja de Illinois retirou formalmente a licença da Loja de Nauvoo. Quando Joseph e Hyrum Smith foram assassinados em junho de 1844, muitos santos dos últimos dias ficaram particularmente ultrajados ao descobrir que havia maçons na multidão que os matou. Este sentimento de traição aprofundou a ruptura entre a comunidade mórmon e a maçonaria tradicional.[4:2][16:4]

O Legado dos Primeiros Presidentes Maçons

A Continuidade da Influência Maçônica

A influência da maçonaria na liderança mórmon estendeu-se bem além da morte de Joseph Smith. Os cinco primeiros presidentes da Igreja SUD - Joseph Smith Jr., Brigham Young, John Taylor, Wilford Woodruff e Lorenzo Snow - eram todos maçons iniciados na Loja de Nauvoo. Esta continuidade de liderança maçônica garantiu que homens familiarizados com ambas as tradições guiassem a igreja durante suas décadas formativas.[15:5][18:1][19:1]

Brigham Young foi iniciado na Loja de Nauvoo em 7 de abril de 1842, elevado em 8 de abril e exaltado ao grau de Mestre Maçom em 9 de abril do mesmo ano. Como sucessor de Joseph Smith, Young supervisionou a migração para Utah e o estabelecimento de um reino teocrático no Oeste americano. Suas declarações sobre a maçonaria refletiram a perspectiva teológica desenvolvida em Nauvoo: que a maçonaria era uma forma degenerada de sacerdócio antigo.[22:2][23:4][18:2][19:2]

John Taylor, terceiro presidente da Igreja (1880-1887), também foi iniciado em Nauvoo e manteve uma perspectiva positiva sobre a relação histórica entre as duas tradições. Wilford Woodruff e Lorenzo Snow, quarto e quinto presidentes respectivamente, completaram esta linhagem de liderança maçônica que durou até 1901.[24][25][18:3][19:3]

O Distanciamento Progressivo

Apesar desta continuidade de liderança, a relação institucional entre a Igreja SUD e a maçonaria deteriorou-se significativamente após o êxodo de Nauvoo. Vários fatores contribuíram para este distanciamento:

Antagonismo Mútuo: A hostilidade que se desenvolveu durante os eventos de Nauvoo criou ressentimentos duradouros em ambos os lados. Os mórmons sentiram-se traídos pela participação de maçons no assassinato de Joseph Smith, enquanto os maçons tradicionais viam as práticas mórmons como violações dos princípios maçônicos.[16:5][26]

Isolamento Geográfico: A migração para Utah isolou fisicamente a comunidade mórmon dos centros maçônicos estabelecidos, dificultando a manutenção de conexões formais.[4:3][27]

Desenvolvimento Doutrinário Independente: À medida que a teologia mórmon se desenvolvia de maneiras cada vez mais distintas do cristianismo mainstream, a compatibilidade com organizações fraternais tradicionais tornou-se mais problemática.[27:1][26:1]

Pressões Políticas: As tensões sobre a poligamia e a teocracia mórmon criaram antagonismo com o governo federal e instituições americanas mainstream, incluindo a maçonaria.[26:2][27:2]

A Perspectiva Acadêmica Moderna

Abordagens Historiográficas

A relação entre Joseph Smith e a maçonaria tem sido examinada por décadas de estudiosos com perspectivas variadas, resultando em interpretações nuançadas que vão além das explicações simplistas de "cópia" ou "coincidência".

D. Michael Quinn, um dos mais proeminentes historiadores mórmons, argumentou em sua obra influente "Early Mormonism and the Magic World View" que Joseph Smith operava dentro de um "mundo mágico" mais amplo que incluía não apenas a maçonaria, mas também práticas ocultas, astrologia, e tradições esotéricas. Quinn sugere que a maçonaria era apenas um componente de um ambiente cultural complexo que influenciou o desenvolvimento do mormonismo primitivo.[28][29][30]

Michael W. Homer conduziu a análise mais abrangente da relação específica entre maçonaria e mormonismo, argumentando que os rituais maçônicos forneceram um "ponto de partida" para a revelação de Joseph Smith da "verdadeira maçonaria". Homer evita tanto a interpretação de plágio quanto a de coincidência, propondo em vez disso que Joseph usou elementos familiares como base para revelações mais expansivas.[5:9]

Samuel Brown desenvolveu a teoria de que Joseph Smith "traduziu" ideias maçônicas, assim como traduziu outros textos antigos, fazendo da investidura uma "amplificação e reforma da Maçonaria". Esta abordagem sugere que Joseph tratou a maçonaria como um texto que requeria interpretação profética.[5:10]

Interpretações Teológicas Contemporâneas

A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias moderna adotou uma abordagem aberta e acadêmica à relação histórica com a maçonaria. O ensaio oficial da Igreja sobre "Maçonaria" reconhece explicitamente as semelhanças entre os rituais maçônicos e a investidura, enquanto mantém que as diferenças em conteúdo e propósito são fundamentais.[1:9][20:9]

A posição oficial atual pode ser resumida em vários pontos-chave:

Reconhecimento Histórico: A Igreja reconhece abertamente que Joseph Smith se tornou maçom e que muitos líderes primitivos tinham conexões maçônicas.[20:10][1:10]

Semelhanças Admitidas: As semelhanças formais entre rituais são reconhecidas como "aparentes e esmagadoras" por alguns estudiosos.[1:11][20:11]

Diferenças Enfatizadas: As diferenças em propósito, conteúdo teológico, e aplicação são destacadas como evidência de que a investidura não é meramente uma adaptação da maçonaria.[20:12][1:12]

Múltiplas Interpretações: A Igreja reconhece que existem diferentes maneiras válidas de compreender a relação, incluindo tanto a perspectiva de restauração de elementos antigos quanto a de inspiração divina através de formas culturais familiares.[1:13][20:13]

Símbolos e Arquitetura: As Conexões Visuais

Simbolismo nos Templos Mórmons

A influência maçônica no mormonismo estende-se além dos rituais para incluir elementos visuais e arquitetônicos. Vários símbolos tradicionalmente associados à maçonaria aparecem na arquitetura dos templos mórmons, embora com interpretações teológicas distintas.

O Olho que Tudo Vê: Presente em vários templos mórmons, incluindo o Templo de Salt Lake, este símbolo é frequentemente identificado como maçônico. No entanto, o simbolismo do olho divino predeta a maçonaria moderna e aparece em textos mórmons desde 1828-29, bem antes do envolvimento de Joseph Smith com a fraternidade.[31]

Instrumentos de Pedreiro: Símbolos como o esquadro e o compasso, centrais à iconografia maçônica, também aparecem em contextos mórmons. Estes símbolos carregam significados relacionados à construção espiritual e moral em ambas as tradições.[32][33]

Elementos do Templo de Salomão: Tanto a maçonaria quanto os templos mórmons fazem extenso uso de simbolismo relacionado ao Templo de Salomão, incluindo colunas, motivos florais, e referências arquitetônicas bíblicas.[21:2][20:14][33:1]

O Templo de Nauvoo Original

O Templo de Nauvoo original (1841-1846) apresentava simbolismo particularmente rico que refletia a convergência de influências maçônicas e revelações mórmons. O edifício incluía:

  • Símbolos astronômicos (sol, lua, estrelas) que ressoavam com tradições herméticas e maçônicas
  • Pedras com símbolos de mãos em aperto de mão, reminiscentes de gestos maçônicos
  • Arquitetura que evocava tanto tradições bíblicas quanto elementos familiares aos maçons da época[32:1]

Nauvoo Illinois Temple at twilight, a key historical site linked to Joseph Smith and early Mormon Freemasonry.

Nauvoo Illinois Temple at twilight, a key historical site linked to Joseph Smith and early Mormon Freemasonry.

O Caso Morgan e Suas Implicações para o Mormonismo

A Coincidência Geográfica e Temporal

A proximidade geográfica e temporal entre o Caso Morgan e os eventos formativos do mormonismo cria um contexto histórico fascinante. William Morgan desapareceu em Canandaigua, Nova York, em 1826, apenas 32 quilômetros da propriedade da família Smith. No mesmo ano, Joseph Smith enfrentou acusações de conduta desordenada e estava cortejando Emma Hale.[34][35]

Esta proximidade significa que a família Smith viveu no epicentro do furacão antimaçônico que varreu o oeste de Nova York. O desaparecimento de Morgan e a subsequente paranoia sobre sociedades secretas certamente influenciaram o ambiente cultural no qual Joseph Smith desenvolveu suas primeiras revelações e organizou sua igreja.[6:4][7:4][9:1]

A Viúva de Morgan e o Mormonismo

Uma conexão particularmente intrigante emerge na figura de Lucinda Morgan Harris, viúva de William Morgan. Após o desaparecimento de seu marido, Lucinda casou-se com George Harris, um ourives local. O casal posteriormente mudou-se para Indiana, onde foram convertidos ao mormonismo por Orson Pratt.[34:1]

Os Harris mudaram-se então para Missouri, onde abriram sua casa para Joseph Smith durante dois meses enquanto ele fugia de problemas em Ohio. Notavelmente, Lucinda Morgan Harris tornou-se uma das esposas plurais de Joseph Smith, continuando simultaneamente seu casamento com George Harris. Esta conexão pessoal entre a viúva da figura central do movimento antimaçônico e o profeta mórmon ilustra as complexas intersecções entre estes movimentos aparentemente opostos.[34:2]

Críticas e Controvérsias Acadêmicas

A Perspectiva Crítica

Críticos do mormonismo há muito tempo apontam as semelhanças entre a maçonaria e as ordenanças do templo como evidência de que Joseph Smith plagiou rituais maçônicos sem inspiração divina. Esta perspectiva, articulada já em 1842 por John C. Bennett, ex-associado de Joseph que se tornou inimigo ferrenho, argumenta que as semelhanças são muito extensas para serem coincidenciais.[12:2][5:11][36]

Argumentos Críticos Principais:

  • A correlação temporal entre a iniciação maçônica de Joseph e a introdução da investidura é muito precisa para ser coincidental
  • As semelhanças específicas em gestos, palavras e símbolos sugerem empréstimo direto
  • A falta de evidência histórica independente para elementos da investidura antes de 1842
  • A natureza secreta de ambas as cerimônias facilitaria a adaptação não detectada[36:1][12:3]

A Resposta Acadêmica Mórmon

Estudiosos mórmons desenvolveram respostas sofisticadas que reconhecem as conexões históricas enquanto mantêm reivindicações de inspiração divina:

Teoria da Restauração: Esta interpretação sugere que elementos autênticos de culto do templo antigo foram preservados em tradições esotéricas, incluindo a maçonaria, e restaurados através de Joseph Smith.[22:3][20:15][23:5]

Teoria da Adaptação Inspirada: Esta abordagem propõe que Deus usa elementos culturais familiares como veículos para revelar verdades mais profundas, assim como usou a Bíblia protestante como base para o Livro de Mórmon.[5:12][20:16]

Teoria da Tradução: Seguindo o modelo de Samuel Brown, esta interpretação vê Joseph Smith como "traduzindo" ideias maçônicas da mesma forma que traduziu outros textos antigos, revelando significados mais profundos através de formas familiares.[5:13]

A Síntese Acadêmica Moderna

A bolsa de estudos contemporânea tende a evitar explicações simplistas de "plágio" ou "coincidência" em favor de análises mais nuançadas que reconhecem a complexidade das influências culturais no desenvolvimento religioso.[5:14][20:17]

Steven C. Harper, historiador oficial da Igreja SUD, argumenta que as semelhanças entre maçonaria e investidura devem ser compreendidas no contexto do método restaurativo de Joseph Smith, que consistentemente adaptou elementos culturais familiares para transmitir revelações divinas.[5:15]

Matthew Brown documentou extensivamente que muitos símbolos supostamente "emprestados" da maçonaria já estavam presentes nos escritos e práticas mórmons antes de 1842, sugerindo que a relação é mais complexa do que empréstimo unidirecional.[15:6]

Conclusão: Legado e Significado Histórico

A relação entre Joseph Smith e a maçonaria representa um dos episódios mais complexos e fascinantes da história religiosa americana. Esta conexão ilustra como movimentos religiosos emergentes interagem com as correntes culturais, sociais e intelectuais de seu tempo, adaptando e transformando elementos familiares em novas sínteses teológicas.

Lições Históricas

A experiência mórmon com a maçonaria oferece insights valiosos sobre vários aspectos da história americana do século XIX:

Pluralismo Religioso: A capacidade de Joseph Smith de extrair significado religioso de uma organização fraternal secular demonstra a fluidez das fronteiras entre o sagrado e o secular na América antebellum.[5:16][20:18]

Sociedades Secretas: A tensão entre os ideais democráticos de transparência e o apelo humano ao mistério e exclusividade encontrou expressão tanto na maçonaria quanto no mormonismo.[6:5][7:5]

Autoridade Profética: A reivindicação de Joseph Smith de revelação divina permitiu-lhe reinterpretar e transformar tradições existentes de maneiras que seus seguidores acharam convincentes.[20:19][5:17]

Implicações Teológicas Duradouras

Para os Santos dos Últimos Dias, a relação com a maçonaria permanece um tópico de interesse teológico e histórico contínuo. A abordagem oficial da Igreja - reconhecendo conexões históricas enquanto mantém distinções teológicas fundamentais - reflete uma maturidade institucional que permite investigação acadêmica honesta sem comprometer comprometimentos de fé.[1:14][20:20]

A questão fundamental não é se existem semelhanças entre a maçonaria e as ordenanças do templo mórmon - estas são inegáveis e bem documentadas. Em vez disso, a questão significativa é como interpretar essas semelhanças: como evidência de empréstimo humano ou como exemplo de como a revelação divina pode operar através de formas culturais familiares.[5:18][20:21]

Relevância Contemporânea

No século XXI, tanto a maçonaria quanto o mormonismo enfrentam desafios de modernização, secularização e questionamento de tradições esotéricas. A relação histórica entre eles serve como lembrete de como tradições aparentemente distintas podem compartilhar raízes comuns e influenciar-se mutuamente de maneiras complexas e imprevistas.[27:3][26:3]

A história de Joseph Smith e a maçonaria também ilustra a importância de compreender contextos históricos completos ao avaliar movimentos religiosos. Longe de ser uma curiosidade acadêmica, esta relação oferece janelas para entender como a religião americana se desenvolveu através da interação dinâmica entre revelação profética, tradição cultural, e inovação institucional.

Ultimamente, a conexão entre Joseph Smith e a maçonaria permanece como testemunho da complexidade da experiência religiosa humana e da capacidade dos líderes visionários de transformar elementos de sua cultura em veículos para expressar verdades que seus seguidores encontram profundamente significativas. Se essa transformação resulta de inspiração divina ou gênio humano - ou alguma combinação de ambos - permanece uma questão de fé pessoal e interpretação teológica que continua a engajar crentes e estudiosos até hoje.[5:19][20:22]


  1. https://www.churchofjesuschrist.org/study/history/topics/masonry?lang=por ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎

  2. https://www.youtube.com/watch?v=hSNjnkwJgCg ↩︎ ↩︎

  3. https://vozesmormons.org/2018/01/10/a-investidura-na-maconaria/ ↩︎ ↩︎

  4. https://www.churchofjesuschrist.org/study/history/topics/masonry?lang=eng ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎

  5. https://rsc.byu.edu/sites/default/files/pub_content/pdf/Freemasonry_and_the_Latter-day_Saint_Temple_Endowment_Ceremony.pdf ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎

  6. https://www.ou.edu/content/dam/cas/history/docs/journal/Boss - The Power of Perception.pdf ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎

  7. https://en.wikipedia.org/wiki/William_Morgan_(anti-Mason) ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎

  8. https://en.wikipedia.org/wiki/Anti-Masonic_Party ↩︎ ↩︎ ↩︎

  9. https://www.gcmrep.pt/o-rito-de-york-da-maconaria-a-historia-e-o-handbook-por-frederick-g-speidel-parte-3-o-conselho-de-mestres-reais-e-escolhidos/ ↩︎ ↩︎

  10. https://bhroberts.org/records/qqPgcb-GKTStc/dan_vogel_summarizes_evidence_relating_to_smith_family_involvement_in_freemasonry_in_new_york ↩︎ ↩︎

  11. http://investigacoessud.blogspot.com/2010/10/lideres-mormons-e-macons.html ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎

  12. https://mit.irr.org/pt-br/influencias-maconicas-e-ocultistas-no-principio-do-mormonismo ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎

  13. https://www.josephsmithpapers.org/back/nauvoo-masonic-lodge-officers-may-august-1842 ↩︎ ↩︎

  14. https://www.josephsmithpapers.org/paper-summary/minutes-15-16-march-1842 ↩︎ ↩︎ ↩︎

  15. https://www.ldsliving.com/latter-day-saints-and-masons-5-fascinating-connections/s/80329 ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎

  16. http://www.escrita.com.br/leitura.asp?Texto_ID=9109 ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎

  17. http://averdadesud.blogspot.com/2010/12/rituais-templarios-e-maconaria.html ↩︎ ↩︎ ↩︎

  18. http://investigacoessud.blogspot.com/2013/07/outros-presidentes-macons.html ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎

  19. https://www.recantodasletras.com.br/artigos/1540275 ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎

  20. https://maisfe.org/perguntas-e-respostas/qual-e-a-conexao-entre-a-investidura-do-templo-e-rituais-maconicos/ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎

  21. https://pt.scribd.com/document/696676037/A-HISTORIA-DE-HIRAM-ABIF1 ↩︎ ↩︎ ↩︎

  22. https://www.fairlatterdaysaints.org/respostas/Mormonismo_e_Maçonaria/Origens ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎

  23. https://www.fairlatterdaysaints.org/answers/Question:_Where_did_19th-Century_Latter-day_Saints_believe_that_Freemasonry_came_from%3F ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎

  24. https://www.churchofjesuschrist.org/study/manual/teachings-of-presidents-of-the-church-lorenzo-snow/the-life-and-ministry-of-lorenzo-snow?lang=por ↩︎

  25. https://www.churchofjesuschrist.org/study/history/topics/john-taylor?lang=por ↩︎

  26. https://www.churchofjesuschrist.org/study/manual/church-history-in-the-fulness-of-times-student-manual/chapter-twenty-one-growing-conflict-in-illinois?lang=por ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎

  27. https://www.cacp.app.br/a-maconaria-e-o-mormonismo/ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎

  28. https://www.kensandersbooks.com/pages/books/64175/d-michael-quinn/early-mormonism-and-the-magic-world-view ↩︎

  29. https://www.fairlatterdaysaints.org/answers/Criticism_of_Mormonism/Books/Early_Mormonism_and_the_Magic_World_View ↩︎

  30. https://www.goodreads.com/book/show/1179665.Early_Mormonism_and_the_Magic_World_View ↩︎

  31. https://www.fairlatterdaysaints.org/respostas/Pergunta:_Por_que_o_símbolo_maçônico_do_"Olho_Todo_Vendo"_está_presente_no_Templo_de_Salt_Lake%3F ↩︎

  32. http://investigacoessud.blogspot.com/2010/01/simbologia-e-construcoes-sud-parte-1.html ↩︎ ↩︎

  33. https://pt.wikipedia.org/wiki/Símbolos_maçônicos ↩︎ ↩︎

  34. https://www.mormondialogue.org/topic/65386-capt-morgan-masonry-polygamy-joseph-smith-and-the-freedom-of-press/ ↩︎ ↩︎ ↩︎

  35. https://skirret.com/archive/misc/misc-m/mormonsmasonryandthemorganaffair.html ↩︎

  36. https://saintsunscripted.com/faith-and-beliefs/laws-and-ordinances/joseph-smith-steal-temple-endowment-freemasonry/ ↩︎ ↩︎